Dois dias antes deste 13 de maio, acordo bem cedo e passo o olho nas “manchetes” das redes sociais. O que percebo rapidamente me indica a realidade não naturalizada pela tristeza da minha consciência. E o que há de tão assustador no que os olhos absorvem? A placa em homenagem aos mortos pela chacina do Jacarezinho, produzida pelos moradores, foi retirada pelos agentes do Estado. Nela, a pequena distância dos 134 anos implícita e ao mesmo tempo escancarada, une pessoas de tempos históricos diferentes, guardando continuidade na lógica que regula suas particularidades de seres humanos “controlados” e culpabilizados pelo descaso sistematizado a lugares e corpos específicos. A placa gritava: “HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DO JACAREZINHO. Em 06/05/2021, 27 moradores e um servidor foram mortos vítimas da política genocida e racista do estado do Rio de Janeiro, que faz do Jacarezinho uma praça de guerra, para combater um mercado varejista de drogas que nunca vai deixar de existir. NENHUMA MORTE DEVE SER ESQUECIDA. NENHUMA CHACINA DEVE SER NORMALIZADA”.
Uma placa e uma constatação! O incômodo e a consequente mobilização. Poderíamos falar de qualquer outro espaço, pois o tempo aqui guarda em sua trajetória consequências que, a todo momento, flertam de maneira brutal com violências e normatização seja no Jacarezinho ou nas periferias de Feira de Santana. Mas… o que chama a atenção nesse caso específico? Seria o ineditismo? Seria o simbolismo que uma inscrição carregaria, mostrando a reação do povo preto e pobre sob outros moldes? Talvez, para além dos “modus operandi” das resistências do povo contra a lógica do descaso e brutalidade presentes nas linhas do tempo que moldam a na nossa realidade, uma outra abordagem presente em placas de metal encaminhe novas linhas de luta.
Talvez o incômodo seja porta de entrada para outra normatização, aquela que de fato importa, a que encontra nas relações caminhos norteadores que estão sobrepostos na historicidade das coisas. E ao voltar ao 13 de Maio, lá no nosso “passado tempo-presente” de 1888, percebemos a intrínseca áurea, não a da Lei fria e estritamente objetiva, mas a da ideia de liberdade que se ressignifica apesar da persistência da exclusão; das formas variadas de violências; das chacinas do Jacarezinho, do Cabula ou de qualquer outro lugar onde o povo, deixado a sua própria sorte, sofre como outrora protagonizando seu brado de diversas formas contra a truculência do Estado e de sua legislação nada Áurea que corrompe, como no pós-abolição, a todos e todas na realidade de um país que ainda estrutura suas relações baseadas nas máculas escravocratas!
E, entre Luíz Gamas e Marielles, vamos caminhando na trajetória da História onde passado e presente encaminham formas, por vezes pesadas, mas necessárias, de resistência, direcionando, através de poesias e descaminhos, possibilidades de não aceitação a diretrizes explicitamente cruéis ou maquiadamente desumanas. Que se façam mais placas; que se destruam mais obstáculos; que se denunciem brutalidades históricas; que haja mais incômodos das instâncias sórdidas do poder; que a invisibilidade daqueles que lutaram pelo 13 de Maio não apareça como uma narrativa branqueada pela canetada da pseudobenevolência da inescrupulosa monarquia; que datas venham cada vez mais enegrecidas; que tenhamos justiça social fruto de reparações; que tenhamos narrativas outras, escolas, creches, oportunidades para os jovens; e lazer e trabalho dignos. E, quem sabe assim, as truculências dos agentes públicos e da política desonesta e covarde possam não mais se incomodar com a dor do povo produzida por eles próprios, presente em placas que explicitam as histórias onde o enredo tem lugar e cor, onde resistem, onde certamente sempre resistirão!
Danilo Bezerra, professor de História, leciona a disciplina de Atualidades na JPI.